CONTÁGIO DO BEM

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CONTÁGIO DO BEM

Desde que a pandemia do Covid-19 teve início em 2020, evitar o contágio pelo vírus se tornou a preocupação prioritária e constante de praticamente toda a humanidade. O livro Do contágio à transmissão, de autoria de Dina Czeresnia e publicado pela Editora Fiocruz em 1997, tratando da questão epidemiológica, afirmava: “A percepção do contágio refere-se à sensação de que o outro representa fonte de perigo. Porém, o sentimento de ameaça, que está na base dessa experiência, convive com a circunstância de que a relação com o outro é necessária ou mesmo primordial, o que remete a uma condição paradoxal”. Em outras palavras, sabemos que a fonte do contágio pelo mal que nos faz adoecer é o próximo, que tornou-se, por isso, uma ameaça para nós; no entanto, somos seres gregários, precisamos uns dos outros, o que então gera um conflito de difícil solução.

 

O contágio por doenças é intrinsecamente mau: produz o sofrimento e a morte, impede o trabalho e, consequentemente o ganha-pão de muitos, paralisa a economia, provoca desemprego, ocasiona muita tristeza com a perda de entes queridos, superlota hospitais, impedindo até a internação de doentes por outras moléstias e acidentados, gera insegurança, provoca afastamento entre familiares, entre amigos e até entre irmãos na fé, gera estresse e angústia em milhões de pessoas isoladas, e assim todos compartilhamos os gemidos da criação, como Paulo em Romanos 8.22 descreve: “Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora”.

 

Mas, se existe um contágio do mal, ao qual estamos permanentemente expostos, suscetíveis e na defensiva, será que não existe um contágio do bem que transmita ao próximo coisas boas?

 

Será que não poderíamos considerar que o contágio do mal, a transmissão nefasta, que ocorre de forma geralmente inesperada, involuntária e que deve ser sempre evitado porque provoca o adoecimento e até a morte, e que por isso precisamos dele nos proteger a qualquer custo é apenas um tipo de contágio? E se for possível existir outro tipo, em oposição a este, o contágio do bem que, ao contrário, precisa ser buscado, estimulado para existir de maneira contínua, incessante e crescente porque promove a edificação, um desenvolvimento crescente de todo o ser, uma acentuada melhora da condição geral, física, mental, emocional e espiritual daquele que é contagiado?

 

E como promover o contágio do bem? A experiência cristã mostra que a oração, a ajuda, o consolo, o apoio, a comunicação interpessoal amorosa, fraternal e pacífica, o uso apropriado da Palavra de Deus para elevar, mas também uma mensagem, uma imagem, demonstrações de solidariedade, o perdão, a reconciliação, a edificação, são alguns dos poderosos “medicamentos” que podem contribuir para a melhora e, quiçá, a cura das almas doentes.

 

Em outras palavras, sentir e manifestar empatia pelo próximo, como o exemplo mostrado em Jó 2.11-13 (NVI): “Quando três amigos de Jó, Elifaz, de Temã, Bildade, de Suá, e Zofar, de Naamate, souberam de todos os males que o haviam atingido, saíram, cada um da sua região, e combinaram encontrar-se para mostrar solidariedade a Jó e consolá-lo. Quando o viram à distância, mal puderam reconhecê-lo e começaram a chorar em alta voz. Cada um deles rasgou o manto e colocou terra sobre a cabeça. Depois se assentaram no chão com ele, durante sete dias e sete noites. Ninguém lhe disse uma palavra, pois viam como era grande o seu sofrimento”.

 

Ter empatia por alguém significa sentirmos o que sentiríamos se estivéssemos na mesma situação e circunstância vivenciada pela outra pessoa. No caso dos amigos de Jó, suas palavras, que deveriam ser de consolo, na verdade não o confortaram em nada, e embora Deus os tenha repreendido pelo que disseram, não os censurou pelo que fizeram, pois reconheceu o esforço fraternal sincero, – embora inepto, – para levar alívio ao amigo muito abalado pelas circunstâncias.

 

E a tentativa de consolo não atingiu o objetivo pretendido porque foi uma demonstração de empatia parcial, incompleta, pois se quando estavam distantes de Jó sentiram compaixão pelo amigo, na sua presença agiram com soberba e insensibilidade ante suas necessidades. É óbvio que a proximidade física dos amigos de Jó com ele não se aplicaria a nós em tempo de pandemia, mas atualmente existem as mídias sociais que – embora não substituam plenamente o contato interpessoal – muitas vezes podem ser bons instrumentos de comunicação à distância.

 

O Senhor Jesus, nestas que são provavelmente as palavras universalmente mais célebres que proferiu, a conhecida Regra Áurea, considerada como a pedra angular de todo o Sermão do Monte, revela o fundamento da bondade e da misericórdia ativas que Deus nos dispensa a cada dia de nossas vidas, e que nós cristãos devemos conceder ao nosso próximo, especialmente quando enfermado: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas”. E se assim procedermos estaremos simultaneamente obedecendo cabal e fielmente a Deus quando nos determinou Seu segundo mandamento: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

 

O erudito britânico N. T. Wright, considerado um dos principais teólogos da atualidade, em seu livro Deus e a Pandemia, pondera que “… o incentivo e o consolo de Romanos 8.28 não se resumem a um tipo de resignação estoica. Antes, funcionam como um chamado ao reconhecimento daquilo que Paulo diz em outras passagens que somos chamados a trabalhar arduamente, sabendo que Deus é quem opera através de nós. (…) A última frase do versículo (‘chamados de acordo com o seu propósito’), então, não descreve o propósito de Deus para essas pessoas – isto é, a salvação final dos cristãos – mas seu propósito através delas. (…) Cristãos, neste ponto, podem não ter palavras para expressar seu lamento. Mas ainda assim têm trabalho a ser feito: na cura, no ensino, na assistência ao pobre, em campanhas sociais, no consolo dos abatidos. (…) Tais pessoas que amam a Deus são, portanto, moldadas à imagem do Filho: o padrão cruciforme no qual a justiça e a misericórdia de Deus, sua fidelidade à aliança e à criação, são exibidas perante um mundo abatido por lágrimas, dores e lamentos. Essa é a nossa vocação no tempo presente.”

 

Lutero enfrentou diversas pragas em sua época com sabedoria realista e piedade prática, enviando cartas a autoridades civis e a líderes religiosos onde oferecia relevantes conselhos que em nossa época, mais de 500 anos depois, continuam extremamente pertinentes. Ele afirmava que epidemias podem servir como arautos de Deus, mas que a nossa postura cristã deve ser essencialmente prática: “Com a permissão de Deus, o inimigo enviou um veneno mortal entre nós; por isso, rogarei a Deus que seja gracioso e nos preserve. Então, fumigarei para purificar o ar, receberei e doarei remédios e evitarei lugares e pessoas onde a minha presença não é necessária. Não desejo expor-me demais para que outros não sejam infectados e morram como resultado da minha negligência. Mas se o meu próximo precisar de mim, não permanecerei afastado, mas irei, de boa vontade, visitá-lo e ajudá-lo”.

 

As sábias ponderações de Lutero eram de que o cristão deveria ser solidário com os doentes buscando ajudá-los, obedecendo a um chamado de Jesus, entretanto, com a atitude sensata de conter-se e não aproximar-se excessivamente quando ele próprio pode vir a ser o causador de algum mal, o que, contudo, não pode ser uma desculpa para nada fazer.

 

Podemos, assim, por meio de ações, e não apenas de palavras, ser úteis através da igreja fazendo, por exemplo, doações para os carentes, oferecendo alimento e roupas para os necessitados, e pessoalmente orando pelos doentes e pelos profissionais da área da saúde que deles cuidam, sempre debaixo da orientação e do poder de Cristo e pelo sopro poderoso do Seu Espírito.

 

Mas há uma constatação que torna-se imprescindível fazer: a pandemia que vivenciamos já há mais de 18 meses em nosso país e no mundo aponta mais uma vez para o pecado como o grande gerador das mazelas da humanidade. A falta de sabedoria, de seriedade, de honestidade, de bom senso, de responsabilidade, tanto de governantes quanto de governados no enfrentamento correto e eficiente do Covid-19 poderia ter evitado milhares de mortes, milhões de internamentos, o dispêndio de bilhões de reais em um país empobrecido, carente das mais elementares necessidades básicas, lembrando a repreensão divina ao povo de Judá em Jeremias 4.22: “Deveras, o meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios e não inteligentes; são sábios para o mal e não sabem fazer o bem”.

 

E mesmo que nada faça sentido para nós nas atuais circunstâncias e os problemas pareçam ir além do que podemos suportar, recordemos que o Senhor nos fortalece em toda tribulação, por isso, numa demonstração de fé inabalável nAquele cujas promessas nunca falham, façamos nossas as palavras inspiradas de Habacuque 3.17-18: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia, eu me alegro no SENHOR, exulto no Deus da minha salvação”.

 

Louvado seja o nosso Deus Trino que nos deixou Seu Santo Espírito habitando em nós, convivendo com nossos erros e acertos, entristecendo-se profundamente com uns e alegrando-se abundantemente com outros. Que grande bênção é sabermos que Ele nos suporta, ampara, consola, fortalece e dirige em nossas tribulações, e que se regozija com nossos momentos de paz e harmonia! Ele é o nosso guia e companheiro permanente, sempre pronto a nos auxiliar em nossas dificuldades, inspirando-nos no serviço a Deus, admoestando-nos quando nos desviamos do foco que é Cristo, e pavimentando nosso caminho na jornada terreal para nossos erros sejam minimizados e nossos acertos, magnificados, para a glória de Deus!

 

Senhor Bendito, confiamos em Ti, sabendo que essa pandemia cessará, e embora em meio ao pesar e à perplexidade imensos em que o mundo está mergulhado, sabemos que Tu não És homem para mentir, por isso confiamos irrestritamente em Ti, relembrando Tuas palavras abençoadoras que nos confortam e animam, instilando em nós a coragem expressa em Isaías 41.10: “… não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha destra fiel”. No nome santo e precioso de Jesus, assim oramos com nossos corações inundados de gratidão. Amém.

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