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AFETOS DA GRAÇA

Na vida terreal existe um tipo de amor ou afeto que a pessoa nutre por outras pessoas ou coisas que decorre do amor a si mesma, e os ímpios generalizam, afirmando que todo amor deriva do amor a si próprio, alegando que quem ama a Deus e deseja a Sua glória e desfrutar da Sua presença, só age assim por interesse próprio, segundo a acusação de Satanás em relação a Jó 1.9-11: “Então, respondeu Satanás ao SENHOR: Porventura, Jó debalde teme a Deus? Acaso, não o cercaste com sebe, a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? A obra de suas mãos abençoaste, e os seus bens se multiplicaram na terra. Estende, porém, a mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face”.

 

No entanto, o amor a Deus deve resultar do conhecimento das Suas supremas e inigualáveis qualidades fundadas nEle mesmo que é amor e não em nossa necessidade d’Ele, por isso a origem dos afetos da graça é simples: ver Deus como Deus.

 

Temos visto nos dias de hoje falsos mestres televisivos que buscam a Deus por amor à prosperidade, ao poder, ao sucesso e à suposta cura de doenças. Há mais de cem anos atrás, num sermão pregado no Metropolitan Tabernacle em Londres onde foi pastor por muitos anos, o famoso pregador Charles Spurgeon perguntou aos presentes: “Vocês acham que devemos amar a Deus por aquilo que dele recebemos e por nada além disso? É essa a sua visão do amor de um crente por Deus?”

 

O afeto a Deus que nasce e se manifesta a partir do amor da pessoa por si mesma jamais será verdadeiro, espiritual e cheio de graça, pois o amor a Deus por interesse próprio não pode ser confundido com o verdadeiro amor a Ele, que deriva dos afetos puros e preciosos. O amor a si mesmo é comum tanto no ser humano quanto nos demônios, não há nada divino nele, como Jesus expôs em Lucas 6.32: “Se amais os que vos amam, qual é a vossa recompensa? Porque até os pecadores amam aos que os amam.”

 

Se todo amor resultasse do amor a si mesmo faria do amor agape algo interesseiro, egoísta, contrariando o que Paulo diz em 1 Coríntios 13.4-5: “O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal…”.

 

Mas para os ímpios é impossível para qualquer pessoa amar a Deus sem que o amor por si mesmo não esteja na raiz de tudo, entendendo que, se alguém ama a Deus e deseja comunhão com Ele e almeja a Sua glória, anseia por estas coisas buscando a própria felicidade. Assim, um desejo pela própria felicidade – ou o amor a si próprio – estaria na base do amor a Deus. Na realidade, uma pessoa precisa amar a Deus antes de perceber que a comunhão com Ele e a Sua glória são fontes de sua própria felicidade, e não o contrário.

 

Há ainda quem manifeste grande afeto por Deus como resultado do medo do fogo do inferno. O amor a Deus que deriva essencialmente do amor a si mesmo ou do medo que o crente possa sentir de ser prejudicado, ou ainda, para estar “de bem com o Todo-Poderoso”, visando levar vantagem, não pode ser de natureza espiritual. O amor próprio, por exemplo, é um princípio puramente natural e existe tanto nos corações de demônios como nos de anjos, por isso nada pode ser espiritual se for meramente resultado do amor egocêntrico, ao invés do verdadeiro amor cristocêntrico.

 

O verdadeiro afeto santo de amor começa com Deus, enquanto que os afetos falsos, pelo contrário, começam com o ego, fazendo com que o reconhecimento da excelência de Deus seja apenas dependente e consequente da atitude básica do egoísta interesse pessoal. O amor a Deus é o fundamento perfeito do amor dos verdadeiros santos, e tudo o mais é construído a partir desse fato: a base para o verdadeiro amor a Deus é o Seu valor intrínseco, pois só Ele é digno de ser amado pelo que É, e Sua natureza amorosa, perfeita e sublime o torna credor de todo o amor.

 

A causa mais profunda do verdadeiro amor a Deus é a extraordinária beleza da Sua natureza divina. O que faz qualquer criatura ser bela – seja uma flor, um homem, uma mulher, uma árvore ou um pássaro, é a sua excelência, ou seja, a sua qualidade de ser extraordinário, excepcional. Obviamente a mesma coisa é verdadeira no que diz respeito a Deus, cuja natureza é infinda e incomparavelmente excelente: Ele reúne em Si mesmo a suprema beleza, o mais extraordinário esplendor e a glória imensurável que são a causa de nós O amarmos acima de todas as coisas.

 

O famoso pregador e teólogo calvinista do século XVIII, Jonatham Edwards, em seu livro Uma Fé Mais Forte Que As Emoções, discorrendo sobre os afetos espirituais verdadeiros assim os qualifica, e sintetizando brilhantemente as suas características fundamentais: são concedidos por Deus; sua base fundamental é a excelência transcendental e a natureza digna das coisas divinas; fundamentam-se no deleite pela beleza moral do próprio Deus; nascem de uma mente espiritualmente iluminada por Deus; trazem uma profunda convicção das verdades divinas; levam-nos à consciência de nossa insuficiência pessoal; dependem da conversão que transforma o nosso caráter; possuem a gentileza de Cristo; suavizam o coração tornando-o mais sensível; são consistentes e constantes e intensificam anseios espirituais.

 

Aqueles cujo amor a Deus é baseado meramente na Sua utilidade para si próprios são completamente míopes espiritualmente, pois vêm ao Senhor apenas pelo limitado enfoque do interesse pessoal, chegando até a confundi-Lo com o gênio da lâmpada, lembrando dEle só quando têm algum desejo. Desta maneira, falham fragorosamente em apreciar e apreender a maravilhosa glória da natureza de Deus, que é a sublime fonte de toda a bondade, de toda a grandeza e de tudo o que é belo.

 

Nesse magnífico contexto em que a verdadeira beleza de todos os seres inteligentes consiste em sua excelência moral ou santidade, os afetos da graça só se desenvolvem à medida que nos deleitamos na inexcedível santidade de Deus, como Davi louva no Salmo 29.2: “Tributai ao SENHOR a glória devida ao seu nome, adorai o SENHOR na beleza da santidade”.

 

O Antigo Testamento fala de santidade de Deus em vários momentos, como no Salmo 99, um maravilhoso hino de louvor que se encerra de forma majestosa e assertiva no versículo 9: “…porque santo é o SENHOR nosso Deus”. Santidade é a própria natureza de Deus, o próprio fundamento do Seu Ser, é o pano de fundo para tudo o que a Bíblia declara sobre Ele. “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória”, louvavam os serafins em Isaías 6.3, porque a santidade é a coroa eterna de Deus, ela é “o brilho de todas as Suas perfeições”, como afirmavam os Puritanos. Paralelamente, a santidade do crente é uma situação relativa, como verificamos em várias passagens bíblicas que registram a infinita disparidade comparativa com a santidade de Deus, como vemos em Isaías 6.3,5, Jó 42.5,6, Ezequiel 1.28, Apocalipse 1.17.

 

Assim como John Wesley afirmava que a santidade e o amor são aspectos do mesmo trabalhar de Deus em nós, ambos são derramados em nossos corações pela ação amorosa do Espírito Santo, o que marca a diferença entre os verdadeiros crentes e o ser humano natural. Dessa forma, é possível examinar o amor que sentimos por Deus, por Jesus Cristo e por sua Palavra, bem como a alegria que temos neles, além do nosso amor pelo povo de Deus. E o verdadeiro e infalível teste dos afetos, especialmente do amor e da alegria, reside em constatar se a origem deles está na santidade.

 

Santidade, portanto, é um dos principais atributos de Deus e uma característica que precisa ser desenvolvida por aqueles que O seguem. Ser santo é ser separado do que é impuro e consagrado ao que é puro, como Paulo admoesta em 2 Coríntios 7.1, exortando os coríntios a permanecerem separados do mal: “…purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus.”

 

O conceito de santidade aplicado a Deus, refere-se ao Seu domínio sobre a criação, à Sua perfeição absoluta e à separação de toda a forma de pecado; quando aplicado a nós refere-se à rejeição aos conceitos e valores do mundo a fim sermos capacitados para o serviço ao Senhor. Logo, todos nós que fomos chamados por Deus, selecionados por Ele para consagrarmos nossas vidas em adoração e serviço, devemos cumprir a Sua soberana vontade expressa nas palavras de Paulo em Efésios 1.4-5, pois o Senhor “… nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo…”.

 

Senhor Bendito, sabemos que os afetos da graça em nós não são perfeitos nesta vida terreal, mas desejamos que, apesar disso, eles nos dominem como uma marca de santidade resultante da sublime imagem de Cristo em nós quando nos despojamos da velha criatura e revestimo-nos da nova. Ajuda-nos, ó Pai, a sermos verdadeiros cristãos, sempre prontos a derramar nossas almas diante do Senhor, a louvá-Lo a todo tempo, a viver sempre e cada vez mais para a Sua glória, na medida em que nos tornamos mais assemelhados a Ele. É no nome santo, precioso e incomparável de Jesus que oramos com nossos corações inundados de afetuosa gratidão. Amém.

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