AMOR
A história a seguir é baseada na narrativa sensível, comovedora, de uma pessoa que – por razões de ordem pessoal – preferiu manter-se no anonimato: “Na rua em que morava quando criança o personagem mais conhecido, embora não o mais amado, apreciado e admirado, ao contrário, era um gato. Era o que se poderia de chamar de um verdadeiro ‘sem-teto’, embora não fosse apenas desprovido de um lar: faltava-lhe também um dos olhos, uma das orelhas, a cauda era apenas um toco, e tinha uma das pernas quebrada e espontaneamente soldada de uma forma estranha que o fazia mancar permanentemente.
E a causa destas deformidades era a sua vocação inata para brigar, atividade aliás que praticava como se fosse uma espécie de diversão prazerosa e incontrolável. Mas a pior injúria que ostentava lhe fora causada por um atropelamento que quase tirara a sua vida anos antes. Por conta disto, adquirira uma espécie de corcova que lhe granjeara um apelido dado por um vizinho maldoso: Quasimodo, inspirado naquele personagem de Victor Hugo em seu famoso romance ‘Notre-Dame de Paris’, corcunda e feio como ele.
Com o tempo seu apelido um pouco longo e pomposo foi abreviado para “Quasi”, segundo alguns porque estava tão estropiado que era ‘quase’ um gato. Os pais alertavam os filhos para não se aproximarem dele, assim todos, crianças e adultos, atiravam-lhe pedras, água e o que tinham à mão quando ele amorosamente se chegava pretendendo um carinho, um afago, um bocado de comida. Quando jogavam coisas nele, enroscava seu corpinho magricela nos pés do agressor, como que pedindo perdão, misericórdia e…amor.
Sempre que escutava a algaravia das crianças, vinha correndo carente, emitia um miado só seu, e esfregava a cabeça em todas as mãos que via, implorando por amor. Quasi era muito especial. Um dia achou que poderia compartilhar o amor que sentia com os dois pit-bulls que faziam a guarda da casa ao lado da minha. Quando ouvi seus miados desesperados, sem pensar pulei o muro e fui encontrá-lo caído numa poça de sangue. Com seu esquálido corpinho todo desconjuntado e lacerado, parecia que não era de verdade, o que sua respiração entrecortada e os engasgos que produzia na sua luta para sobreviver, desmentiam.
Então apanhei-o cuidadosamente para levá-lo para minha casa, e quando lá chegamos ele, em meio aos estertores da morte, esfregou sua cabecinha tão deformada na minha mão, fixando em mim seu único olho com doce gratidão, enquanto ronronava afetuosamente. Quasi morreu nos meus braços, e eu me vi segurando aquela figurinha esquálida, sofrida, maltratada, mas que era capaz de dar tanto amor, e também de ser objeto de tanto amor. Quasi me deixara uma lição de amor verdadeiro e incondicional que carregaria pelo resto de meus dias.”
Quanto nos falta às vezes termos e usarmos a capacidade de doação e a compaixão que Deus espera que tenhamos! Quanto ainda precisamos nos aperfeiçoar para aprendermos a amar os seres que, pelos conceitos e preconceitos do mundo, são desconformes com nossos mutáveis e instáveis padrões de beleza, e por isso são categorizados como feios, grotescos, pobres, deformados, sujos, por vezes não apenas de corpo, mas também de alma e de espírito.
O mundo consumista e hedonista em que vivemos enaltece, exalta, idolatra o belo, o rico, o perfeito. Mas Cristo, nosso modelo, veio para dar vista aos cegos, fazer andar os coxos, purificar os leprosos, dar audição aos surdos, voz aos mudos, ressuscitar os mortos, e pregar o Evangelho aos pobres. De que lado estamos? Do mundo ou de Cristo?
O amor conhecido pelo mundo, proclamado aos quatro ventos pela mídia, em prosa e verso declarado pelos poetas, é o amor ilusão, mencionado pelo autor do cântico Jesus Cristo Mudou meu Viver (120 do livreto Cânticos de Louvor Cristão): “O amor, só conheci em canções / Que falavam de ilusões / Mas tudo agora é diferente / Isto falo a toda gente / Pois cristo deu-me o seu amor”. Sim, o verdadeiro amor só é possível encontrar em Cristo, que deu a Sua própria vida por amor a nós tão pecadores, tão maus, tão egocentrados, mas que, apesar de tudo o que conhece de nós, considerados por Ele como amigos em João 15.13, quando assim declarou: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos.”
No século VI a.C., o profeta Ezequiel, em seu livro no capítulo 16, registrou a parábola sinteticamente relatada a seguir por meio de uma paráfrase que paradoxalmente tem um começo muito feio, porém um lindo final, demonstrando a extraordinária grandeza do amor de Deus. Amor que não muda desde a eternidade, é o mesmo até hoje e assim será para todo o sempre o verdadeiro amor: “Aquela criança recém-nascida (Israel) era fruto de uma união pecaminosa, porque o próprio Deus proibira a relação do Seu povo com os pagãos que viviam em Canaã. Mas os pais desobedeceram, ela nasceu, foi abandonada e jogada no mato, mas Deus, apesar da desobediência dos pais, teve misericórdia dela e tratou-a, até que ela se tornou uma moça forte e alta. Ele olhou para ela e viu que estava nua, então cobriu-a com sua capa, prometeu amá-la e desposou-a. Alimentou-a, vestiu-a ricamente, deu-lhe jóias finíssimas e ela, que tinha sido uma criança tão feia ao nascer, tornou-se linda e invejada por todas as nações. Mas ela não respeitou ao Senhor que a havia desposado, e passou a dormir com qualquer um que passava, e prostituindo-se vergonhosamente, usou tudo aquilo com que Deus lhe havia presenteado – vestidos, jóias, alimentos – para enfeitar os lugares de adoração dos ídolos, para fazer imagens deles, para oferecer sacrifícios pagãos. Como se não bastasse toda a sua infidelidade, chegou a imolar cruelmente os próprios filhos em aos ídolos. Deus se irou com toda a idolatria e prostituição que cometia com os imorais egípcios, e entregou-a como castigo aos filisteus que a odiavam e tinham nojo dela. Mas ela correu atrás dos assírios, e porque ainda não estava satisfeita, foi então prostituir-se com os babilônios, mas eles também não a satisfizeram. Deus a chamou de prostituta sem-vergonha porque em todas as ruas construiu altares para adorar os ídolos e praticar a prostituição. Mas ela não era uma prostituta comum, que é paga, pois presenteava os seus amantes para dormir com ela. Então Deus como castigo reuniu todos os seus antigos amantes – tanto os que ela apreciava quanto os que detestava – colocando-os em círculo ao redor dela, arrancando a sua roupa para que a vissem nua, e condenando-a por adultério e assassinato. Entregou-a então a eles, para que derrubassem os altares que ela havia construído, para que a despojassem de todas as suas riquezas, para que a apedrejassem, para que a cortassem com suas espadas e destruíssem sua casa. Porém o amor de Deus cobre multidão de pecados, como afirma 1 Pedro 4.8, e Ele diz à mulher que, embora a estivesse tratando como merecia, manteria a aliança que havia feito com ela em sua mocidade. Então o Senhor perdoou o povo de Israel (a mulher) de toda a sua iniquidade e restaurou a nação na terra abençoada”.
O amor de Deus foi maior do que a feiúra do pecado do povo infiel, pois o amor de Deus excede todo o entendimento! Assim como Ele perdoou Israel, Seu povo, Sua mulher infiel, nós também fomos perdoados pela Sua graça e Ele continua sempre pronto a nos perdoar, como assegura Colossenses 2.13 e 1 João 1.9. Então, se permanecemos nEle, obedientes à sua Palavra, como o afirma 1 João 2.5, “Aquele, entretanto, que guarda a sua palavra, nele, verdadeiramente, tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos nele…”, e se estamos nEle, ungidos pelo Seu amor infinito, teremos sempre – aqui e no porvir – vida abundante e eterna!
Senhor Deus, Eterno Pai, como conceber, compreender e internalizar – pela nossa tão limitada condição de pecadores contumazes – um amor como o Teu? Perante o Teu amor tão imenso, nos sentimos miseráveis, minúsculos grãos de poeira perante a majestade irresistível da Tua glória. Mas, pelo Teu amor infinito, Tu guinda-nos à posição imerecida de Filhos Teus, que podem ter comunhão conTigo, que são salvos pela Tua graça para um dia poder viver ao lado de Cristo. Obrigado, Senhor! É no nome de Teu Filho amado que assim oramos. Amém.
9 de agosto de 2025
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