PAZ INTERIOR

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PAZ INTERIOR

Aquele concurso de pintura destinado a premiar o quadro que melhor representasse a paz havia chegado ao final, e após renhida disputa o júri destacou duas telas: a primeira retratava uma paisagem de verão, mostrando um regato de mansas águas transparentes que corria em meio a uma campina muito verde onde ovelhas brancas pastavam placidamente. Por todo o lugar via-se lindas flores, borboletas coloridas bailavam no ar, e acima das frondosas árvores que ocupavam parte do belo prado, recortado contra o céu azul, um bando de aves brancas executava um voo gracioso.
O júri ficou muito bem impressionado com a qualidade artística deste quadro, mas o prêmio foi conferido ao segundo artista, que havia pintado em sua tela um grande rochedo violentamente açoitado pelas ondas do mar, em meio a uma terrível tempestade repleta de relâmpagos. Na parte alta do rochedo, protegida por pequena escarpa, podia-se ver uma linda gaivota branca em seu ninho, cuidando dos filhotes que dormiam tranquilos. As ondas furiosas arremetiam contra a rocha, mas as aves estavam perfeitamente seguras em seu abrigo.
Esta pintura evoca que a verdadeira segurança só pode ser encontrada em Deus, a rocha firme, indestrutível, inabalável, que provê toda a paz interior daqueles que nEle confiam, mesmo que à volta rujam as tempestades da vida, como o profeta Isaías 26.3-4 louva: “Tu, SENHOR, conservarás em perfeita paz aquele cujo propósito é firme; porque ele confia em ti. Confiai no SENHOR perpetuamente, porque o SENHOR Deus é uma rocha eterna…”.

 

Calcula-se que nos últimos 3.500 anos o mundo teve apenas 286 anos de paz, o que comprova que a paz do mundo é fugaz e ilusória. Vivemos em desassossego permanente por conta da violência, das crises econômicas, do desemprego, da corrupção, das doenças, dos conflitos de todo tipo, entre outros motivos externos que tiram nossa paz interior. Mas Davi no Salmo 29, um grandioso hino de louvor que apregoa que mesmo em meio às piores tempestades a poderosa voz do Senhor se faz ouvir acima de tudo, no verso 11 canta: “O Senhor dá força ao seu povo, o Senhor abençoa com paz ao seu povo.”

 

 

Paz interior não é algo que possa ser introjetado em alguém, mas é fruto do Espírito, Paulo mostra em Gálatas 5.22, o que significa que, se temos paz em nós mesmos, temos o Espírito habitando em nós, pois ”… o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz…”, e como tal é o resultado de permanecermos como ramos da videira verdadeira, assim Jesus ensina em João 15.4: “… Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira, assim, nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim”.

 

 

Paulo, encarcerado em Roma e aguardando o que ele sabia ser sua inevitável execução, escreve a carta aos Filipenses, paradoxalmente a mais alegre de suas epístolas, e na passagem do capítulo 4, versos 4-9 (NTLH) nos ensina a fórmula prática da paz interior que ele tão bem cultivava: Tenham sempre alegria, unidos com o Senhor! Repito: tenham alegria! Sejam amáveis com todos. O Senhor virá logo. Não se preocupem com nada, mas em todas as orações peçam a Deus o que vocês precisam e orem sempre com o coração agradecido. E a paz de Deus, que ninguém consegue entender, guardará o coração e a mente de vocês, pois vocês estão unidos com Cristo Jesus. Por último, meus irmãos, encham a mente de vocês com tudo o que é bom e merece elogios, isto é, tudo o que é verdadeiro, digno, correto, puro, agradável e decente. Ponham em prática o que vocês receberam e aprenderam de mim, tanto com as minhas palavras como com as minhas ações. E o Deus que nos dá a paz estará com vocês.”

 

 

Viver o que Paulo preceitua neste trecho de Filipenses é um grande desafio para nós, mas nosso incentivo para vencer os obstáculos da vida cristã vem de lembrar da maravilhosa promessa que Jesus nos faz em Apocalipse 21.7: “O vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho.” Herdar “todas estas coisas” significa que Ele nos espera – desde que nos santifiquemos – para uma vida eterna ao Seu lado, sem lágrimas, sem morte, sem luto, sem pranto, sem dor, mas plenamente saciados da nossa sede de Deus. Que qualidades, pois, deveremos adquirir e/ou desenvolver para gozarmos da paz interior que tanto almejamos? Vejamos o que Paulo nos ensina como condições indispensáveis para alcançá-la:

 

Alegria (verso 4), é a primeira pré-condição para se ter paz interior. Sabemos que não é fácil estar contente em meio ao sofrimento, mas por outro lado sabemos que é algo que o cristão é frequentemente desafiado a fazer. Quando amamos alguém somos felizes, alegres e queremos sempre estar juntos da outra pessoa; se verdadeiramente amamos a Cristo, vamos desejar ter permanente, feliz e alegre união com Ele. E alegria não é um sentimento, uma mera emoção que vem e que vai: é uma decisão duradoura que independe das circunstâncias externas e que a cada manhã, ao acordarmos, podemos decidir por sentir, construindo um dia triste ou alegre porque, se não podemos controlar o que nos acontece, podemos dominar as nossas atitudes com relação ao que nos acontece, e então estaremos atendendo à exortação do Salmo 118.24: “Este é o dia que o Senhor fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele.”

 

Amabilidade (verso 5), é a segunda qualidade que deve desenvolver quem quer ter paz interior. Ser amável com todas as pessoas pode ser um novo hábito a ser adquirido para substituir o velho cacoete de comunicar-se manifestando frieza, rispidez, desagrado, mau humor ou má vontade. E por que temos que agir assim, demonstrando alegria, gentileza e bondade para com os outros? Porque – Paulo afirma – o Senhor virá logo. Se nos lembrarmos de que a vida é curta, de que breve estaremos frente ao tribunal de Cristo, de que Ele nos trouxe a salvação e a vida eterna sem que merecêssemos, só poderemos sentir gratidão e regozijo intensos. Por isso nosso trato com os outros deve estar permeado pelo mesmo amor com que Deus nos trata.

 

Não se preocupar com nada e orar entregando tudo a Deus, (verso 6), é a terceira atitude essencial para ter paz interior. O homem está sujeito aos males inerentes à sua própria condição humana que, – no caso da Igreja do tempo de Paulo, – somava-se à condição de ser cristão, e isto podia lhe custar a própria vida, como ainda acontece nos dias de hoje, especialmente nas nações islâmicas. A solução que Paulo oferece para este problema crucial é a oração, e como afirmou M. R. Vincent (citado por William Barclay em seu Comentário do Novo Testamento), “a paz é o fruto da oração fervorosa”. O apóstolo frisa que podemos tudo levar a Deus em oração, pois não há nada grande demais para o poder de Deus, nem muito pequeno para o Seu cuidado paternal; podemos ir a Ele com nossas orações, com nossas súplicas e com nossas petições, podemos orar por nós mesmos, pedindo perdão pelo passado, pelo que necessitamos no presente e direção para nossa vida futura; podemos também orar pelos outros, sempre adicionando nossa gratidão por tudo – até mesmo pelo privilégio de poder orar – mas considerando que devemos estar também totalmente submissos à Sua vontade soberana.

 

Como consequência da oração, a paz de Deus – que é impossível entender – mantém permanente presença em nossos corações (verso 7). Paulo não quer dizer que a paz de Deus seja um mistério indecifrável, mas sim que sua dimensão e profundidade são tão refinadas, que sua característica é tão especial, que ela está muito além da capacidade humana de compreendê-la e, muito menos, de produzi-la. A paz verdadeira é um dom de Deus e jamais poderá ser criada pelo homem. Por isso, a paz interior não pode ser obtida senão quando levamos a Ele nossas súplicas e nossas petições pessoais e de intercessão, depositando-as a Seus pés por meio das orações. E são estas orações que ao mesmo tempo guardarão nossas mentes e corações do mal, pois elas estarão promovendo nossa comunhão com Cristo.

 

Ocupar nossos pensamentos com coisas dignas, elevadas (verso 8), é uma exortação tão fundamental para nós que estamos no mundo, que Paulo a reitera na epístola aos Colossenses 3.2 (NTLH) afirmando:“Pensem nas coisas lá do alto e não nas que são aqui da terra.” O apóstolo sabia que nossa mente está sempre pousada em algo, por isso queria que esse algo fosse adequado ao cristão, pois naquilo em que nossa mente se detém com frequência, com persistência, passa a se voltar com automatismo. Uma mente ociosa acolherá todo tipo de pensamentos, desde os bons até os maus, mas uma mente ativa trabalhará para controlar-se, detendo-se no que é nobre e bom, deixando fora o que corrompe.

 

Jesus em Mateus 5.25-37 ensinou que não somente nossos atos, mas nossos pensamentos por trás deles, serão julgados no Dia do Juízo. Por este motivo, é essencial que pensemos exclusivamente nas questões transcendentes, superiores, sublimes, de que trata a doutrina de Cristo, para podermos nos assemelhar a Ele, ocupando nossa mente apenas com tudo aquilo que constrói, que é elogiável, e não com o que conspurca, avilta, polui e destrói, e neste sentido Paulo relaciona tudo o que é:

 

 

verdadeiro. O mundo nos faz o tempo todo, e à exaustão, atraentes propostas enganosas e ilusórias de paz e felicidade – quase sempre centradas na carne, na matéria – que jamais se cumprirão no médio e longo prazo. Precisamos por isso focar nossos pensamentos no eterno, na verdade que Cristo representa;

 

digno. A palavra grega somnos aqui empregada por Paulo, é de difícil tradução, e segundo Barclay descreve o que tem em si mesmo a dignidade e a santidade. Há no mundo coisas vulgares, corriqueiras, de baixo custo, que são atraentes para as mentes pequenas e superficiais, porém o cristão deve fixar seus pensamentos somente naquelas que são profundas, sérias e dignas;

 

correto. O termo grego dikaios – na versão ARA traduzido por tudo o que é justo – define o homem correto, íntegro, probo, aquele que entrega a Deus e aos homens o que lhes é devido. Muitas pessoas concentram seus pensamentos exclusivamente no prazer, no conforto, nas coisas e métodos fáceis que geralmente as conduzem a becos sem saída. O cristão, no entanto, pensa sempre e acima de tudo no seu dever para com Deus e com o próximo;

 

puro. Em grego agnós, significa aquele que é moralmente imaculado, sem manchas ou nódoas, portanto apto a se devotar a Deus e ser usado no Seu serviço. Este mundo de trevas acha-se totalmente poluído por valores distorcidos e abjetos, desprezíveis, indignos, infames, sujos, obscenos, fazendo com que muitos vivam em tal estado mental que deturpam tudo o que lhes vem à mente. O cristão, ao contrário, tem sua mente fixada naquilo que é puro, naquilo que agrada a Deus;

 

agradável. No grego prosfiles, na versão ARA, amável. Muitas pessoas hoje em dia – por conta de sua mente poluída – são amargas, estressadas, vingativas, dedicando-se o tempo todo a criticar, reclamar, censurar e queixar-se, com isto suscitando ressentimentos e o desamor dos que a cercam, mas também envenenando corpo, alma e espírito. O cristão verdadeiro, no entanto, inunda sua mente com o que é agradável – amor, tolerância, paciência, bondade, simpatia, gratidão – com isto produzindo retribuição dos mesmos pensamentos e sentimentos pelo próximo, e cultivando em si mesmo todo o bem;

 

decente. Tudo o que é de boa fama na versão ARA, ou seja, tudo o que está em conformidade com os padrões morais e éticos da sociedade. O mundo cada vez mais permissivo e “pós-moderno”, tem admitido de forma alarmantemente crescente o emprego de palavras de baixo calão, falsas, impuras, que expressam o que vai no coração dos que as proferem, mas que na mente e no coração do cristão não encontram guarida, porque ali só são acolhidas as palavras que o próprio Cristo diria.

 

Aplicar os conhecimentos adquiridos é indispensável, e só assim teremos a paz interior que Deus nos concede (verso 9): Paulo em Romanos 16.20 assevera que Deus é o Deus da paz, e quando estamos juntos dEle temos a Sua paz, basta aplicarmos dedicadamente o que nos é ensinado nos versos 4 a 8, imitando o exemplo do apóstolo não só em suas palavras mas também em suas ações.

 

E o efeito desta nossa conduta será a deslumbrante percepção da nossa reconciliação com Deus, da graça do Seu favor incomparável e a certeza de desfrutar do Senhor, na vida por vir, bênçãos de tal magnitude que simples palavras não conseguem expressar, e, além disso, mantendo-nos na jornada terreal calmos, serenos, libertos de aflições e envolvidos em profunda satisfação íntima.

 

Este é o estado de paz interior que devemos almejar, a paz que situa-se muito além da nossa compreensão, que nos protege da ansiedade e da insegurança em toda circunstância adversa, que nos guardará a mente e os sentimentos em Cristo Jesus, defendendo-nos de atitudes pecaminosas quando estivermos defrontando as dificuldades da vida e resguardando-nos de soçobrar perante elas.

 

Deus bendito, Teu Filho Amado durante a Última Ceia instruiu Seus discípulos sobre várias questões cruciais, deixando ensinamentos essenciais para nós também, e em 16.33 Ele tratou da questão da paz, dizendo: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo”. Por isso, apesar das lutas inevitáveis que devemos enfrentar ao longo da vida, sabemos que não estaremos sós, pois Tu nunca nos abandonas à própria sorte. Obrigado, Pai, porque sabemos que Jesus já obteve a vitória final contra o mal, e assim podemos nos apropriar da Tua paz inefável, sendo por ela inundados em todo o nosso ser, mesmo nos tempos mais difíceis. É no nome de Jesus que oramos profundamente agradecidos e profusamente abençoados. Amém.

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