Julgar ou Não Julgar? (parte 2)

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Julgar ou Não Julgar? (parte 2)

Só é possível julgar com isenção se nos desvencilharmos das peias do nosso próprio “eu” com suas mazelas, traumas, necessidade de autoafirmação, egocentrismo e idiossincrasias, pois são estas cicatrizes da alma que nos fazem tender a sermos tão injustos quando julgamos.

 

Dependendo de nosso estado de espírito, da nossa “agenda oculta”, algumas vezes cheia de negatividade por alguma injustiça sofrida, alguma perda ou por algum mal praticado contra nós, tendemos a julgar criticamente as pessoas quando deveríamos, antes de mais nada, vê-las e acolhê-las com amor e tolerância.

 

Mas, ao invés disso, nosso julgamento raramente é positivo, indulgente, quase sempre é crítico, ácido, fazendo um raio x impiedoso do próximo. Onde está o amor que Jesus ordenou que tivéssemos uns pelos outros? Onde está a tolerância com o que a nós parecem defeitos que só os outros têm? Fazemos ouvidos moucos ao que Paulo nos exorta em Efésios 3.17 (NTLH) dizendo, “Peço também que, por meio da fé, Cristo viva no coração de vocês. E oro para que vocês tenham raízes e alicerces no amor” e em Efésios 4.2 (NTLH), “Sejam sempre humildes, bem educados e pacientes, suportando uns aos outros com amor”?

 

Assim como ao admoestar um pai, uma mãe, um cônjuge, um filho, um irmão em Cristo, devemos fazê-lo com amor, é preciso também que o nosso criticismo com relação a outrem seja igualmente exercido com amor, pois o amor suaviza a ótica, o enfoque de quem julga, aproximando em Cristo quem julga de quem é julgado, como o apóstolo exorta em 1 Pedro 4.8 (ARA): “Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados.”

 

O ato de julgar exige que haja um motivo que Deus aprove, um propósito construtivo, legítimo segundo a Palavra, para que seja lícito: se julgamos pensando em nós mesmos, para nos sentirmos superiores ao outro, considerando-nos certos enquanto ele está errado, tendo-nos na conta de mais santificados, de maiores conhecedores das Escrituras, enfim, se nosso objetivo, mesmo que oculto, for o de vencer uma disputa para enaltecer o nosso ego, tal julgamento já está comprometido na origem, contaminado na essência por motivação espúria, ilegítima, má, parcial, pecaminosa, portanto não procede de Deus, o que o faz condenável, por isso devemos aprender a evitá-lo sempre.

 

Na igreja, a tendência daqueles de nós que compreendem melhor o Evangelho é a de mostrarmo-nos impacientes com a falta de entendimento de alguns de nossos irmãos e com outros “de fora”, intimamente julgando-os inferiores. Esta é uma reação totalmente equivocada e presunçosa, que deveria dar lugar a uma aceitação graciosa de nossa parte, como o é de Deus, porque um irmão na fé é servo dEle, não nosso, e assim terá de responder a Ele e a ninguém mais.

 

Nossos pensamentos frequentemente transparecem nas nossas faces, revelando o que nos vai na alma, e assim mostram nosso julgamento a respeito de algo ou de alguém. Se estamos zangados, não é fácil impedir que nossa contrariedade aflore em nossa expressão facial; mas se ficamos contentes em ver determinada pessoa, automaticamente nossa fisionomia registra alegria e satisfação.

 

Há uma experiência prática que pode ser feita, imediatamente antes que nossa mente ponha-se a julgar alguém: basta que olhemos nos olhos da pessoa e mentalmente digamos “eu te amo”. É notável como nossa disposição interior muda, nossa face se ilumina estampando um sorriso caloroso, e a outra pessoa capta irresistivelmente esta mensagem de amor, estabelecendo-se então um clima de aceitação e afetividade que coloca ambos acima de qualquer tendência de julgar negativamente.

 

Julgar desnecessária e levianamente é um mau hábito adquirido geralmente em tenra infância, que pode nos levar a cometer equívocos, injustiças e dores a nós mesmos e aos outros. Muitas vezes é uma atitude que revela a insegurança de que estamos possuídos frente a uma determinada situação que nos coloca na defensiva, com “um pé atrás”, ao nos sentirmos ameaçados em nossa integridade ou posição.

 

O capítulo 33 de Gênesis relata o reencontro e a reconciliação de Jacó e Esaú, após os episódios de mentira e traição de Jacó contra seu irmão. Consciente da mágoa que tinha provocado no coração do irmão, e assustado por desconhecer as intenções de Esaú, Jacó toma a iniciativa de buscar amenizar sua culpa, demonstrando humildade, respeito e afeto, presenteando-o regiamente. Mas o ápice da reconciliação ocorre no verso 10, quando Jacó diz ao irmão: “… ver a tua face é como contemplar a face de Deus…”.

 

Que grandioso elogio, que louvor magnífico, que conquistou o coração defensivo e desconfiado de Esaú! Ver Deus no outro, enxergar a glória de Deus no próximo, é fazermos o que Cristo faria em nosso lugar! E é assim que devemos buscar a face do próximo, como Paulo em Filipenses 2.3 (Bíblia Viva) nos ensina: “Não sejam egoístas; não vivam para causar boa impressão aos outros. Sejam humildes, pensando dos outros como sendo melhores do que vocês mesmos.”

 

Mas apesar de que julgar é um atitude que requer de nós muita sabedoria, unção divina e amor, está fora de dúvida que trata-se de algo essencial na vida cristã, pois como poderíamos, por exemplo, escolher a porta estreita e não o caminho espaçoso que Jesus nos mostra em Mateus 7.13-14, ou nos acautelar dos falsos profetas como Ele exorta no verso 15, sem termos opinião a respeito? Ou como sermos ponderados como os crentes de Bereia de Atos 17.11 que, antes de aceitar os ensinamentos de Paulo, conferiam com as Escrituras, para ver se tudo era de fato como ele dizia? Ou, ainda, como sem julgar poderíamos reprovar as obras infrutíferas das trevas apontadas por Paulo em Efésios 5.11? Ou como poderemos nós cristãos um dia resistir à imposição da marca da besta, como está profetizado no capítulo 13 do livro de Apocalipse, se não conseguirmos julgar as atitudes do anticristo e de seu falso profeta?

 

Exigimos ser tratados com justiça, mas será que tratamos os outros com justiça? Criticamos acerbamente aqueles que julgam pela aparência, com base em falsos rumores ou sem provas, mas muitas vezes somos rápidos em julgar desta mesma forma. Em Isaías 11.3 (NVI) temos o modelo a seguir, quando o profeta fala sobre Jesus: “E ele se inspirará no temor do Senhor. Não julgará pela aparência, nem decidirá com base no que ouviu”. Somente Cristo é o Perfeito Juiz que julgará com plena justiça e equidade, e só quando Ele verdadeiramente governar nossos corações é que estaremos aptos a tratar nosso próximo com justiça, tal como desejamos ser tratados.

 

(Continua no próximo fim de semana)

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